terça-feira, 23 de maio de 2017

Análise da crise: o Brasil não está só no mundo



1. A vitória ideológica/econômica/tecnológica dos Estados Unidos sobre a União Soviética, a adesão russa ao capitalismo e a desintegração da Rússia e a adesão da RPC ao sistema de instituições econômicas liderado pelos Estados Unidos e a abertura chinesa controlada às MNCs levaram à consolidação da hegemonia política/imperial dos Estados Unidos.


2. As diretrizes da política hegemônica americana são:

· induzir a adoção, por acordos bilaterais e pela imposição, por organismos “multilaterais”, dos princípios da economia neoliberal;

· manter a liderança tecnológica e controlar a difusão de tecnologia;

· induzir o desarmamento e a adesão “forçada” dos países periféricos e frágeis ao sistema militar americano;

· induzir a adoção de regimes democráticos liberais, porém de forma seletiva, não para todos Estados;

· garantir a abertura ao controle externo da mídia.

3. As dimensões e as características da população e do mercado interno; de território e de recursos naturais (ampliada de forma extraordinária pela descoberta do pré-sal); a localização geográfica na área de influência americana; a capacidade empresarial do Estado e da iniciativa privada (BNDES, Petrobrás, Vale do Rio Doce, Embraer) a capacidade tecnológica em áreas de ponta (nuclear, Embrapa, etc) tornariam o Brasil uma área de atuação prioritária para a política exterior americana, que articulou:

· apoio à redemocratização política controlada pelas classes hegemonicas no Brasil;

· a luta ideológica e midiática contra a política de desenvolvimento econômico e industrial que é identificada com o autoritarismo militar;

· apoio aos movimentos sociais (ONGs etc);

· retaliação contra as políticas nacionais de desenvolvimento (nuclear, informática, espacial);

· mobilização ideológica para a implantação das regras do Consenso de Washington:

§ disciplina fiscal;

§ redução dos gastos públicos;

§ reforma tributária;

§ juros de mercado;

§ câmbio de mercado;

§ abertura comercial;

§ investimento estrangeiro sem restrição;

§ privatização;

§ desregulamentação econômica e trabalhista;

§ direito à propriedade intelectual.

· desarmamento.



4. A implantação, entusiasta e excessiva, das medidas econômicas, políticas e militares, propagadas pela academia, mídia e autoridades americanas, pelos Governos Fernando Collor/Fernando Henrique Cardoso, diante das características do subdesenvolvimento: enormes disparidades sociais, a fragilidade relativa das empresas de capital nacional, vulnerabilidade externa da sociedade contribuíram para o fracasso dessas políticas que levaram ao agravamento da concentração de renda, ao agravamento das deficiências de infraestrutura, ao aumento da violência social, acarretaram sua impopularidade e permitiram à vitória dos movimentos políticos progressistas diante dos Governos de Menem; Battle; Andres Perez; Fernando Henrique Cardoso, Sanchez de Lozada; Mesa.

5. A eleição de Lula e seu Governo colocaram em risco o objetivo permanente norte-americano de implantar políticas neoliberais em toda a América Latina e de incorporar as economias latino-americanas à sua economia, de forma subordinada.

6. A articulação política e econômica de Lula/Kirchner/Lugo/Correa/Evo/Chavez reforçou a necessidade, para os EUA, de uma reação estratégica.

7. Os Estados Unidos, em cooperação com grupos internos em cada um desses países, iniciou campanhas de desestabilização política.

8. No Brasil, esta campanha se inicia com o processo do “mensalão” e com a aceitação pelo judiciário da “doutrina” do domínio do fato, aplicado contra José Dirceu, em caráter exemplar e como possível sucessor de Lula.

9. Apesar da campanha Anti-Lula e Anti-PT, os índices de popularidade do Presidente e do Partido atingiram níveis recorde e permitiram a eleição de Dilma Rousseff.

10. O Governo Dilma Rousseff, sem capacidade política, aderiu gradualmente ao programa neoliberal de ajuste fiscal, de faxina ética e de contração do Estado.

11. A incapacidade de articulação, de trato político e de mobilização social facilitou a articulação e o sucesso do processo de impeachment.

12. De outro lado, a Operação Lava Jato, em articulação com o Departamento de Justiça americano, e com as agências de inteligência (espionagem) americanas como a NSA, a CIA, o FBI), através de procedimentos ilegais, tais como prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos confessos, a desobediência ao princípio fundamental de presunção de inocência, a mobilização da opinião pública contra pessoas delatadas, colocando em risco a ordem jurídica e criando ódio na sociedade, com a conivência do STF, foi um instrumento de ataque ao Partido dos Trabalhadores contra o PT e a candidatura do Presidente Lula.

13. A gradual autonomia e fanatização moralista da força tarefa de Curitiba levou a denúncias contra outros políticos, em especial do PMDB e do PSDB.

14. A característica de “radicais livres” e o conflito com a Procuradoria Geral levou à investigação de Temer pela PF (também radical) e, como a PGR, aliados principalmente ao PSDB contra o PMDB.

15. Os objetivos básicos das classes hegemônicas brasileiras, em estreita articulação com as classes hegemônicas norte-americanas, são:

· consolidar na legislação, de preferência na Constituição, as políticas neoliberais do Consenso de Washington;

· reduzir a possibilidade de vitória do Presidente Lula em 2018 e a vitória dos candidatos progressistas nas eleições para o Congresso;

· impedir a revisão por um novo governo das reformas conservadoras, em especial a EC95;

· reduzir a capacidade de ação externa e interna, do Estado brasileiro;

· destruir a política sul-americana de formação de um bloco regional e de inclusão no Conselho de Segurança da ONU;

· integrar o Brasil à economia americana e criar a obrigatoriedade de execução no Brasil de políticas econômicas neoliberais;

· impedir a industrialização, ainda que apenas parcialmente “autônoma”, do Brasil por empresas de capital brasileiro;

· consolidar este programa econômico ultra neoliberal através de compromissos internacionais, a começar pela adesão do Brasil à OCDE.

16. Michel Temer, por imprudência, colocou em risco a credibilidade do processo de aprovação legislativa deste programa ao se deixar gravar pela PF em diálogos de natureza ilícita.

17. Trata-se, agora, para as classes hegemônicas de substituir “funcionários”, a começar por Temer, e substituir o comando do processo das reformas por “funcionários” menos envolvidos no sistema tradicional de aquisição e controle de poder político pelas classes hegemônicas, minoritárias ao extremo. (caixa 2, compra de votos, propinas a Partidos e a pessoas, nomeações na Administração, liberação de verbas)

18. A decisão de afastar Michel Temer diante de gravações difíceis de refutar já foi tomada pelas classes hegemônicas, como revela o editorial de primeira página do Jornal O Globo e, portanto, do sistema Globo de Comunicação.

19. A posição da Folha de São Paulo e do Estado de São Paulo refletem ainda certa ausência de consenso, porém nada significam em termos de impacto diante do poder da Globo.

20. Não foi ainda decidido pelas classes hegemônicas o método de afastamento e substituição de Michel Temer:

· renúncia;

· decisão do TSE sobre a Chapa Dilma/Temer;

· processo do STF.

21. Para as classes hegemônicas, a questão política essencial é evitar as eleições diretas antecipadas. Assim:

· o processo no STF seria muito longo, e permitiria a mobilização popular;

· a decisão do TSE levaria a eleições diretas, sobre o que há dúvidas;

· a solução mais viável e em tempo mais útil seria negociar com Temer sua renúncia, a “recompensa” pelos serviços prestados e sua imunidade.

22. Também não foi ainda resolvida a questão do sucessor de Temer, mas o PSDB se prepara para assumir o poder e o PMDB a resistir.

23. Nas eleições indiretas os mais prováveis candidatos seriam Tasso Jereissati, pelo PSDB, e Nelson Jobim, pelo PMDB.

24. Os objetivos estratégicos das classes hegemônicas, que orientam e controlam seus “funcionários” no sistema político, continuam a ser os mesmos:

· acelerar a aprovação das “reformas” ultra neoliberais;

· desmoralizar Lula e o PT;

· “construir” um candidato “gestor”, apolítico, como João Doria, para 2018.

25. A operação da PGR/PF serviu para afastar mais um candidato “político” como Aécio Neves, pois Serra já está na prática afastado e Alckmin será “afastado” por Doria.

26. Estas classes hegemônicas contam que mesmo com a vitória de Lula em eleições diretas este se encontrará manietado pela EC95.

27. Quanto mais cedo Michel Temer deixar o poder pior será para a Oposição pois sua saída acelerará a aprovação das “reformas”.

28. O que interessa agora é retardar a saída de Temer, enfraquecendo e dificultar e adiar o mais possível a aprovação das “reformas”.

29. A luta pelas Diretas Já é fundamental para mobilizar a militância e conscientizar a população dos efeitos dessas “reformas”.

30. Realismo: a queda imediata de Temer atende aos interesses das classes hegemônicas assim como ocorreu com o afastamento de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara.




por Samuel Pinheiro Guimarães no GGN

domingo, 21 de maio de 2017

O poder está nas ruas. E a legitimidade também: Diretas, já!


Reordenar a sociedade a partir de agora é uma tarefa que só a rua poderá exercer integralmente, devolvendo-lhe a prerrogativa das urnas




O Brasil adormeceu nesta quarta-feira, 17 de maio de 2017, sem saber as respostas para muitas das perguntas essenciais cobradas pelo passo seguinte de sua história.

Mas a principal delas para ir direto ao ponto --dispensando-se o retrospecto da implosão da frente golpista, com as gravações de pedidos de propinas feitas aos donos do JBS por Aécio Neves e Michel Temer— é saber se a mobilização popular será capaz de pr...eencher o vazio vertiginoso que se abriu agora não apenas na cúpula política, mas na estrutura do poder na sociedade.

As instituições que dão coesão a uma sociedade fundada em conflitos de interesses agudos, como é o caso da brasileira, cujos abismos de desigualdade são sabidos, estão no chão.

Não há legitimidade no parlamento.

O judiciário tornou-se a armadura desfrutável do assalto das elites contra as urnas, na farsa de um impeachment – confirma-se agora-- arquitetado com uma escória a soldo.

A mídia foi a voz da exortação e da institucionalização desse esbulho.

Como será o amanhã de uma nação na qual o amálgama político foi destruído em nome do combate à corrupção. E sob esse biombo faiscante operou-se a virulenta destituição de direitos arduamente conquistados em um século de lutas democráticas?

O conservadorismo está na defensiva.

A plutocracia perdeu seu manto moral.

Desnudou-se como uma reles devoradora de libras de carne humana barata.

Moro e seus promotores terão que se explicar: por que nunca –nunca- abriram o foco para a tempestade que ora desabou, sobre as suas cabeças inclusive?


O contato mais próximo do califado de Curitiba com o assunto ‘Aécio Neves’ está documentado na série de fotogramas de sorridente cumplicidade entre o presidente nacional do PSDB e o juiz Sergio Moro.

Da mídia é suficiente dizer que sem ela o golpe teria sido impossível, assim como inviável a preservação da capatazia que ora sucumbe às gravações.

Reordenar a sociedade a partir de agora, portanto, é uma tarefa que só a rua poderá exercer integralmente, devolvendo-lhe a prerrogativa das urnas.

As sirenes da história anunciam confrontos intensos no front.

Não existe uma fórmula macroeconômica autossuficiente –seja a do golpismo, ou uma de ‘esquerda’ -- para tirar o Brasil do plano inclinado em que se encontra.

O que existe é uma derrocada vergonhosa do conservadorismo que amplia o espaço para o debate das reformas verdadeiramente indispensáveis à destinação social do desenvolvimento. A saber:

-uma reforma política para capacitar a democracia a se impor ao mercado;

-uma reforma tributária para buscar a fatia da riqueza sonegada à expansão da infraestrutura e dos serviços;

-uma reforma do sistema de comunicação para permitir o debate plural dos desafios brasileiros –que, insista-se não se resolvem sem ampla e permanente renegociação.

O Brasil será aquilo que a rua conseguir que ele seja. E o momento nunca foi tão propício para escrever isso no asfalto e nas praças de todo o país.

A legitimidade das ruas precisa ser exercida.

Urgentemente.

Só as lideranças populares tem condições hoje de falar à população em um palanque.

O conservadorismo usará o palanque privado da Globo para barrar o escrutínio da sua crise nas urnas.

A ocupação das ruas definirá quem é a liderança popular hoje no Brasil capaz de devolver credibilidade à política e seriedade à repactuação do desenvolvimento, arrebatando assim o apoio indispensável de setores da classe média democrática para levar a nação às urnas e retomar o fio de uma construção interrompida --mais uma vez-- pela violência política conservadora.

Por Saul Leblon na Carta Maior