segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Sobre a austeridade. Na Europa




Por Tarso Genro (*)

O debate sobre a austeridade, tal qual está se dando hoje na Europa, vem do século passado, principalmente após as reformas feitas pela senhora Thatcher, na Inglaterra, na crise de crescimento da economia inglesa dos anos 80. Aquelas reformas desmantelaram o poder dos Sindicatos, vinculados ao trabalhismo inglês, que, até então, eram parceiros do Estado e do grande empresariado industrial, desde os esforços nacionais feitos para a recuperação e modernização industrial do pós-guerra. A recuperação se deu através de formas contratuais específicas, pelas quais ali se desenvolveu o contrato social-democrata europeu.

Hoje, com diferentes graus, vários países da União Europeia tem sido obrigados pelo Banco Central Europeu -leia-se governo alemão e Banco Central Alemão- adotar “políticas de austeridade”, em função da brutal dívida pública destes países e da sua presumida incapacidade de saldá-las. Argumenta-se, como diz o professor Vincenç Navarro –emérito professor em universidades europeias e americanas, ex-assessor da sra. Hillary Clinton, como coordenador do grupo da Reforma do sistema de saúde americano- “que a redução do déficit público é a chave para recuperar a confiança dos mercados financeiros(…) com mais e mais cortes nas transferências e nos serviços públicos do Estado”.

Estas políticas, criticadas pelo professor Navarro e milhares de cientistas sociais, políticos de diversas ideologias e origens, acadêmicos ou não, economistas e gestores públicos em todo o mundo, são apresentadas como se fossem políticas universais, “neutras”, verdadeira razão de estado e espada luminosa dos que defendem o interesse público. Em regra, são as preferidas por nove entre dez dos comentaristas econômicos da grande mídia, que não poupam críticas ao Estado “gastador”, à falta de sabedoria dos agentes públicos que defendem outras saídas. Mas o fazem sem abordar o debate de fundo: quais os resultados destas políticas? A quem ela beneficia efetivamente? De quem ela exige sacrifícios? E mais: quais as políticas de outra natureza que se opõem à dita “austeridade”?

O Presidente Reagan, nos anos 80, confrontado com a crise de eficiência e, consequentemente, de acumulação das grandes empresas americanas, aplicou a receita sem vacilação: redução do valor real dos salários, aumento do desemprego para aumentar a competitividade, redução das despesas de prestações sociais, redução dos impostos para as classes superiores e, no plano político mais amplo (para unir o país contra as ameaças de “fora”), a retomada agressiva da “guerra fria”, com o deslocamento de vultosos financiamentos para a bomba de nêutrons, escudo antimísseis, “guerra nas estrelas”.

Compare-se, nos dias de hoje, como a União Europeia e os EUA – que chegou a “estatizar” indústrias automobilísticas durante a crise do “sub-prime”- enfrentam crises semelhantes, pela palavra dos seus mais autorizados representantes. No verão europeu de 2012, Mário Draghi, Presidente do Banco Central Europeu, afirmava que o “Banco Central Europeu fará tudo que for necessário para sustentar o euro, e, acreditem, isso será suficiente”. Em março de 2012, o Secretário do Tesouro americano Timoty Geithner, assinalava que é preciso calibrar com cuidado a mistura de “apoio financeiro e o ritmo de consolidação fiscal”, fazendo coro com o Presidente da Reserva Federal dos EUA, Ben Barnanke, que pedia mais estímulos contra o desemprego. O Presidente da Reserva Federal, diferentemente de Draghi, deixava claro que se a situação piorasse nos EUA, iria atuar para “apoiar o crescimento”.

Estas palavras são ditas, já dentro de uma situação “madura” de crise, que vem se arrastando há vários anos e, sobretudo, demonstram que as ditas políticas de austeridade não são aplicadas numa mesma medida. E que seu entendimento é diferenciado, mesmo nos países avançados, nos quais classes trabalhadoras e os setores médios ainda “tem o que perder”, sem cair na miséria absoluta. O empobrecimento, a olhos vistos, de uma grande parte dos assalariados que era de renda baixa é o sucedâneo de uma situação na Europa, particularmente na Espanha, Portugal, Grécia, Irlanda, França – entre outros países – que já tem bolsões de miséria dignos das regiões mais pobres da América Latina.

No terceiro trimestre de 2012, ou seja, no momento áureo de aplicação das políticas de austeridade, a dívida pública em relação ao PIB, na Zona do euro, era de 90%; comparada com o terceiro trimestre de 2011, ela subiu aproximadamente 5%. Neste trimestre, que foi considerado, financeiramente, o período de mais extrema gravidade para a estabilidade macro financeira da Zona do Euro, ela alcançara 86,6% em relação ao PIB. Fracasso total das políticas de austeridade, com a manutenção do desemprego entre os jovens, na Espanha, de mais de 40% e mais de 23% da força de trabalho total, com redução do poder aquisitivo dos trabalhadores, assalariados de todos os setores e, ainda, crise devastadora nos pequenos e médios negócios industriais e de serviços.

A elite financeira americana e as minorias mais ricas em geral, principalmente ligadas aos setores improdutivos da economia, a elite financeira e seus “managers” dos serviços correlatos (1% da população), segundo o professor Navarro, nos últimos cinco anos da crise, acumularam mais de dois trilhões de dólares. Enquanto isso aumentou as diferenças sociais nos EUA de modo alarmante e a Europa inteira decresceu: Espanha menos 1,5%; Grécia menos 5,2%; Itália menos 2,3%; Portugal, menos 3%.

Não é preciso muito esforço para compreender que as políticas de austeridade têm beneficiários diretos e sacrifícios ampliados em toda a sociedade. Mas ela precisa, ainda, reduzir a margem de risco dos “financiadores” aparentes da recuperação, que supostamente são as agências financeiras. Mormente aquelas que dão as “notas”, os “graus” de investimento, para os países endividados e, ao mesmo tempo, são as que manejam o mercado financeiro e alimentam, politicamente, o circuito informativo global, destinado a convencer a todos que a política deve ser substituída por medidas supostamente técnicas, de necessidade indiscutível.

Os recursos da recuperação, contudo, vem do Estado e são dinheiro público. Ou seja, os recursos públicos, para a recuperação da economia, não são entregues pelos governos às empresas em crise -de qualquer tamanho- mas aos agentes financeiros privados, que manipulam a taxa de juros e a acumulação sem trabalho. A diminuição do risco especulativo, necessária, aliás, para pacificar o mercado e aliviar tensões, exige que haja plena previsibilidade para o pagamento dos países credores, pelos endividados.

Daí um segundo passo: a redução das transferências públicas (diminuição das pensões, redução da compra de serviços e calotes nas pequenas e médias empresas, diminuição real e irrestrita dos salários dos servidores públicos, redução dos programas de transferência de renda) e dos serviços públicos essenciais (saúde, educação); e depois, ainda, um terceiro passo, com sucesso parcial na Inglaterra: a privatização de estradas (de outras empresas prestadoras de serviços públicos que são capazes de dar lucro sem competição e sem risco, para os investidores privados), porque ninguém deixa de tomar água, por exemplo, ou levar um filho ao Hospital, para ser operado de uma apendicite.

Austeridade reproduz mais austeridade, mais desigualdade, mais concentração de renda, mais pobreza e redução das funções públicas do Estado. Austeridade fulmina a política e “fascistiza” os conflitos, porque a violência da concentração de renda e de poder, que ela causa, desacredita a democracia e a política, desacredita as eleições e os governos. Me digam quais os sacrifícios que os 1% dos mais ricos de um país fazem, para tirar seus respectivos países das suas crises, que eu mudo de opinião. Por enquanto eu fico com esta.

(*) Artigo publicado originalmente no Jornal do Comércio, de Porto Alegre.

Capturado do RSurgente

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Eu no boteco com Freud, Lacan e Jung, debatendo o Facebook




Então....

Agora numa conversa de boteco com os parceiros Freud, Lacan e até mesmo Jung que se juntou a nós pra beber a "saideira" comentávamos a respeito do Facebook. 

Algumas avaliações diziam que este espaço dialogava de forma narcisista com o mundo exterior. Freud afirmava categoricamente que era o alter ego se manifestando de forma explicita, projeção óbvia. 

Lacan de forma incisiva dizia, isso  aqui é uma espécie de psicologia dialética, superando o espelho, é a auto estima se pronunciando pra além do alter ego. Freud enfurecido retrucava: 

Não, isso é um equívoco o que se vê ali é esta auto estima excessiva isso é absolutamente um narcisismo patológico. 
Jung, sempre de forma retardatária e plagiando o já "dito e escrito" se atravessa na conversa e larga essa: "Esse espaço é a sombra da psique, é um lugar de disputas íntimas que as pessoas jogam ao público" como redenção. 

Alguns risos. Mais outra saideira. 

E você Gilmar o que dizes:....pensei.....mais um gole...e optei pela diplomacia;

Como sou amigo dos amigos, prezo pelas boas relações, principalmente aquelas que te seguram e não nos traem, tangenciei na contemplação.

Respirei e disse; "Isto aqui é a universalização da psicologia, da autoestima, da claridade das manifestações plurais e um desnudar das hipocrisias cotidianas".

Entretanto, não fui bem compreendido. Quase brigamos;

Freud na intimidade que temos chegou a me sentenciar. Vais te tornar outro Jung. Plagiador e contemplador pra te esquivar do debate real.;

Tomei mais um gole e lhe respondi. Não personalize o alter ego Sigmund, não te valhas de ter dito o óbvio antes de nós. Podemos melhorar isso. 
E, pra além disso, posso brigar no boteco com vocês, mas meus amigos e seguidores nas redes sociais são mais importantes. 

Caras e bocas feitas, remarcamos nossa conversa etílica pra outro dia.

*Este escrito é baseado numa frase que ouvi hoje e dissertei. Ou quase isso.

domingo, 11 de janeiro de 2015

A lógica que há por trás



Assassinatos como o da Charlie Hebdo nunca têm justificativa moral nem humana, mas sim contextos. Um fator é a guerra sem fim no Oriente Médio.


É óbvio que o direito de matar não existe. É óbvio que o direito ao humor existe.

É óbvio que a liberdade de expressão é um dos direitos individuais e coletivos mais apreciados.

É óbvio que nem sequer o sentimento de ter recebido a pior ofensa pode desembocar em assassinato.

É óbvio que não é momento para comparações, porque cada morte é absoluta em si mesma e quem fizer um ranking corre o risco de acabar justificando a matança, como aconteceu no 11 de setembro de 2001, quando poucos no mundo acreditaram que era de esquerda relativizar a gravidade do ataque às Torres Gêmeas.

E é óbvio que, ainda em meio à indignação e à dor, seria bom superar algumas outras obviedades. Não as essenciais, que têm a ver com a vida e a morte, mas as que estão subjacentes às análises mais simplórias.

Parece evidente, pelos primeiros resultados das investigações policiais francesas, que não se tratou de uma vingança de muçulmanos indignados com os desenhos de uma revista, mas de uma ação planejada. E uma ação programada sempre tem uma lógica política a desentranhar.

Soa razoável pensar que os chefes do comando, porque os comandos costumam ter chefes, poderiam ter agido segundo o velho critério de selecionar um alvo que, uma vez destruído, sirva para semear o terror. Terror sobre todos. Terror nas ruas de Paris e no metrô de Paris. Para além da vigilância, a redação da Charlie Hebdo era um alvo fácil. Não se tratava de um quartel, mas de uma redação. Além disso, os chefes do comando podem ter pensado que atacá-lo com êxito geraria um enorme impacto nacional e internacional. Se foi essa a lógica, o operativo conseguiu enviar as mensagens que queria.

Mensagem número um: de novo é possível atingir qualquer país, inclusive um país poderoso.

Mensagem número dois: a morte por comandos pode atingir qualquer pessoa. Não é preciso ser soldado.

Mensagem número três: os comandos estão em todos os lados, em primeiro lugar entre os filhos dos imigrantes miseráveis vindos das ex-colônias do Magreb.

Mensagem número quatro: não usar suicidas supõe um destacamento logístico maior, porque os chefes devem considerar a retirada, o esconderijo e a fuga. É uma exibição de poder.

A maioria das sociedades europeias não está preparada hoje politicamente para receber estes ataques e prevenir agressões futuras ou para repeli-las. Há duas formas de racionalizar diante fatos como o desta quarta-feira. Uma, a mais sábia, é pensar que a organização de comandos requer dinheiro, uma rede e audácia, mas poucos homens. Portanto, o assassinato em nome do Corão não pode ser utilizado para responsabilizar todos os muçulmanos ou todos os imigrantes e seus filhos nascidos na Europa. Outra, nem um pouco sábia, mas em crescimento, como mostra a expansão da extrema direita na França, no Reino Unido, na Grécia ou na Dinamarca, é pensar que o Islã é genericamente o inimigo a derrotar. Esta segunda forma serviria aos chefes do comando para enriquecer sua lógica de guerra e espiralizar a violência.

Assassinatos como o da Charlie Hebdo nunca têm justificativa moral nem humana, mas sim contextos.

Um fator é a guerra sem fim no Oriente Médio.

Outro fator é a dilação em uma saída para o problema palestino que, naturalmente, contemple o direito de Israel a existir sem ser agredido.

Um terceiro é a escalada de fenômenos como o Estado Islâmico, enfrentados por sua vez por Washington, Londres e Paris. Neste último caso, com 1.300 soldados e oficiais, e talvez com o mesmo resultado da intervenção no Iraque, que colocou fim a uma ditadura e abriu outra caixa de Pandora cheia de dinamite.

O quarto, como aconteceu com Al Qaida desde suas origens, é a dinâmica que adquirem, uma vez lançados ladeira abaixo, forças que em princípio foram alimentadas para combater outras. Al Qaida, para lutar contra os soviéticos. Fracções do Estado Islâmico treinadas na Síria para executar planos sauditas de desestabilização na área petrolífera mais quente do planeta.

O quinto fator é o crescimento do fundamentalismo teocrático e, em seu interior, o aumento na intensidade de grupos violentos.


É possível imaginar que um mundo menos desigual e com menos conflitos abertos tornaria ainda mais injustificáveis, e portanto mais fracas, as estruturas que preparam comandos da morte com alcance global. Isto também é óbvio.




Por Martín Granovsky, originalmente no- Pagina12




sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Mais uma “bola fora” dos urubólogos. Inflação dentro da meta pelo 11° ano…





Saiu o índice de inflação do IBGE para dezembro, com a alta que se esperava: 0,78%.

Alto, mas menor do que o registrado em 2013: 0,92%.

Com isso, o teto da meta de inflação, esta “linha sagrada” de nossos economistas e comentaristas econômicos neoliberais – a turma do “tripé macroeconômico” – foi respeitada pelo 11° ano consecutivo.

Estourar meta de inflação, está provado, é especialidade tucana.

Nos quatro anos em que governou sob o regime de metas inflacionárias, Fernando Henrique o rompeu em nada menos que a metade.

Nos Governos Lula e Dilma, só uma vez, como parte da “herança maldita” feagaceana.
1999 = (Inflação: 8,94%) (Meta: 8,0%) (Teto da Meta:10,0%) (FHC)
2000 = (Inflação: 5,97%) (Meta: 6,0%) (Teto da Meta: 8,0%) (FHC)
2001 = (Inflação: 7,67%) (Meta: 4,0%) (Teto da Meta: 6,0%) (FHC)
2002 = (Inflação:12,53%) (Meta: 3,5%) (Teto da Meta: 5,5%) (FHC)
2003 = (Inflação: 9,30%) (Meta: 4,0%) (Teto da Meta: 6,5%) (Lula)
2004 = (Inflação: 7,60%) (Meta: 5,5%) (Teto da Meta: 8,0%) (Lula)
2005 = (Inflação: 5,69%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 7,0%) (Lula)
2006 = (Inflação: 3,14%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 6,5%) (Lula)
2007 = (Inflação: 4,46%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 6,5%) (Lula)
2008 = (Inflação: 5,90%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 6,5%) (Lula)
2009 = (Inflação: 4,31%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 6,5%) (Lula)
2010 = (Inflação: 5,91%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 6,5%) (Lula)
2011 = (Inflação: 6,50%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 6,5%) (Dilma)
2012 = (Inflação: 5,84%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 6,5%) (Dilma)
2013 = (Inflação: 5,91%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 6,5%) (Dilma)
2014 = (Inflação: 6,41%) (Meta: 4,5%) (Teto da Meta: 6,5%) (Dilma)

Vamos ter um começo de ano difícil em 2015, e não se descarte uma taxa próxima a 1% no IPCA de janeiro, por conta de reajustes sazonais, preços de verão e mudança das datas de reajuste de passagens de ônibus, além da implantação das bandeiras tarifárias de energia elétrica.

Mas um quadro que deve ser atenuado se, depois dos aumentos que sofreu, o dólar se mantiver estável e São Pedro ajudar com chuvas melhores, que segurem os preços de vegetais, carne e da energia elétrica, porque os do petróleo não vão subir ao consumidor.

A demanda mundial está reprimida pela crise.

Não há razão para aumento de preços internos, sobretudo depois do ajuste cambial do final do ano.