sexta-feira, 25 de julho de 2014

O que está em jogo na Faixa de Gaza



Em artigo exclusivo a Opera Mundi, Marco Aurélio Garcia defende condenação de ofensiva israelense por parte do governo brasileiro.




Esta nota estará seguramente desatualizada quando for publicada. Mais de setecentos palestinos – grande parte dos quais mulheres, crianças e anciãos – foram mortos nos bombardeios das Forças Armadas israelenses na Faixa de Gaza desde que, há duas semanas, iniciou-se uma nova etapa deste absurdo conflito que se arrasta há décadas. A invasão do território palestino provocou também mais de 30 mortos entre os soldados de Israel.

O governo brasileiro reagiu em dois momentos à crise. Na sua nota de 17 de julho “condena o lançamento de foguetes e morteiros de Gaza contra Israel” e, ao mesmo tempo, deplora “o uso desproporcional da força” por parte de Israel.

Em comunicado de 23 de julho e tendo em vista a intensificação do massacre de civis, o Itamaraty considerou “inaceitável a escalada da violência entre Israel e Palestina” e, uma vez mais, condenou o “uso desproporcional da força” na Faixa de Gaza. Na esteira dessa percepção, o Brasil votou a favor da resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU (somente os Estados Unidos estiveram contra) que condena as “graves e sistemáticas violações dos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais oriundas das operações militares israelenses contra o território Palestino ocupado” e convocou seu embaixador em Tel Aviv para consultas.

A chancelaria de Israel afirmou que o Brasil “está escolhendo ser parte do problema em vez de integrar a solução” e, ao mesmo tempo, qualificou nosso país como “anão” ou “politicamente irrelevante”.


É evidente que o governo brasileiro não busca a “relevância” que a chancelaria israelense tem ganhado nos últimos anos. Menos ainda a “relevância” militar que está sendo exibida vis-à-vis populações indefesas.

Não é muito difícil entender, igualmente, que está cada dia mais complicado ser “parte da solução” neste trágico contencioso. Foi o que rapidamente entenderam o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, depois de suas passagens por Tel Aviv, quando tentaram sem êxito pôr o fim às hostilidades.

Como temos posições claras sobre a situação do Oriente Médio – reconhecimento do direito de Israel e Palestina a viverem em paz e segurança – temos sido igualmente claros na condenação de toda ação terrorista, parta ela de grupos fundamentalistas ou de organizações estatais.

Estive, mais de uma vez, em Israel e na Palestina. Observei a implantação de colônias israelenses em Jerusalém Oriental, condenadas mundialmente, até por aliados incondicionais do governo de Tel Aviv. Vi a situação de virtual apartheid em que vivem grandes contingentes de palestinos. Constatei também que são muitos os israelenses que almejam uma paz duradoura fundada na existência de dois Estados viáveis, soberanos e seguros.

É amplamente conhecida a posição que o Brasil teve no momento da fundação do Estado de Israel. Não pode haver nenhuma dúvida sobre a perenidade desse compromisso.

Temos reiterado que a irresolução da crise palestina alimenta a instabilidade no Oriente Médio e leva água ao moinho do fundamentalismo, ameaçando a paz mundial. Não se trata, assim, de um conflito regional, mas de uma crise de alcance global.

É preocupante que os acontecimentos atuais na Palestina sirvam de estímulo para intoleráveis manifestações antissemitas, como têm ocorrido em algumas partes, felizmente não aqui no Brasil.

A criação do Estado de Israel, nos anos quarenta, após a tragédia do Holocausto, foi uma ação afirmativa da comunidade internacional para reparar minimamente o horror provocado pelo nazi-fascismo contra judeus, ciganos, homossexuais, comunistas e socialdemocratas. Mas o fantasma do ressurgimento ou da persistência do antissemitismo não pode ser um álibi que justifique o massacre atual na Faixa de Gaza.


O Brasil e o mundo têm uma dívida enorme para com as comunidades judaicas que iluminaram as artes, a ciência e a política e fazem parte da construção da Nação brasileira. Foi esse sentimento que Lula expressou em seu discurso, anos atrás, na Knesset, quando evocou, por exemplo, o papel de um Carlos e de um Moacir Scliar ou de uma Clarice Lispector para a cultura brasileira. A lista é interminável e a ela se juntam lutadores sociais como Jacob Gorender, Salomão Malina, Chael Charles Schraier, Iara Iavelberg, Ana Rosa Kucinski e tantos outros.

Nunca os esqueceremos.

(*) Marco Aurélio Garcia é assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Ah, tá, vai contar pra mim que tu não é imigrante?



Minha namorada é uma brasileira nascida em Mogilev, na Bielorrússia. Eu sou um brasileiro neto de portugueses nascidos numa pequena localidade próxima de Aveiro, em Portugal. Minha namorada chegou aqui com menos de 30 anos de idade, é altamente qualificada e logo conseguiu emprego. Depois, fez concurso para uma orquestra sinfônica, obtendo vaga. Meu avô, de formação menos sofisticada, chegou mais ou menos com a mesma idade e trabalhou como estivador em Porto Alegre. Depois, o velho Manuel abriu sua padaria, chamada Lisboa.

Nossos imigrantes adoram contar histórias fantasiosas de suas famílias. A maioria delas é absolutamente mentirosa. O pessoal veio para cá porque era pobre. Muitos passaram fome. Ninguém era nobre nem tinha ligações com a realeza. Somos quase todos imigrantes recentes. A maioria de nós, brasileiros, somos netos e bisnetos de famílias pobres europeias que estão aqui há menos de dois séculos. Se não somos descendentes de europeus, somos descendentes de escravos que chegaram antes dos primeiros por aqui.

Acho triste, acho revelador de pobreza de conhecimento de sua história familiar e do Brasil, quando alguém reclama dos haitianos, dos médicos cubanos e agora dos ganeses. Somos quase todos imigrantes. E recentes.

Além do mais, quando se torce o nariz — especialmente para os que chegam dos países citados acima — há racismo embutido. E há também o preconceito de classe. Afinal, haitianos, cubanos e ganeses são gente normalmente pobre. Assim como meus parentes, eles passavam fome no local onde nasceram ou moravam. Que coincidência, não? Se fossem brancos europeus, talvez fossem saudados como pessoas do primeiro mundo reconhecendo boas possibilidades em nosso país. Já li reportagens ufanando-se disso.

Há imigrantes que, como os haitianos, cubanos e meu avô, vieram simplesmente buscando oportunidades, mas há aqueles que vieram atender nossas necessidades de mão-de-obra. Seus fluxos migratórios atendem à demandas por força de trabalho no Brasil, onde determinadas ocupações já não são preenchidas apenas por brasileiros, como operários da construção civil, empregadas domésticas, costureiras, etc.

A imigração é um fenômeno mundial, assim como a exploração das fragilidades dos imigrantes. Assim, devem ser protegidos e auxiliados. O fato da maioria de nossos antepassados ter sido explorada quando aqui chegou é mais um motivo para tratarmos bem os que, agora, chegam em busca de sustento para construir nosso país. Esse papo crescente de ajudar os brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, do está ruim sem vocês, pior com vocês, é de uma tolice vergonhosa. Ainda vindo de quem não suporta o Bolsa-Família…

Não penso que o velho Manuel tenha vindo para o Brasil a fim de roubar o emprego de algum brasileiro que chegou um pouco antes. Não gostaria de pensar que ele sofreu preconceito. Então, tratemos os ganeses como seres humanos que estão fazendo agora o que nossos ascendentes fizeram há pouco tempo, tá? Não é gente inferior, não. É gente necessitada, apenas.

Por Milton Ribeiro no Sul 21

Filiações: quem é Brics e quem é Wall Street?


Aécio deveria mostrar outras filiações, as históricas. Uma que importa saber, por exemplo, é quem é Brics e quem é Wall Street na disputa de outubro.







Aécio Neves resolveu mostrar a família no site de campanha.

Aquela coisa de ‘elevar’ o leitor ao nível do tanquinho de areia do ensino infantil. Aécio é filho de; pai de; tio de; neto de ... (a foto de Tancredo na parede só falta sorrir, como nos desenhos animados).

A vida é bela; a família mais bela de todas garante que o candidato tucano é um cara bacana...

A ideia, dizem os assessores, é combater o estereotipo do playboy desregrado, que pelo visto calou fundo nas pesquisas.

Aécio deveria mostrar outras filiações, as históricas, aquelas que decorrem de opções feitas na vida pública, não as herdadas na corrente sanguínea.

As eleições brasileiras de outubro –é forçoso reiterar, como tem feito Carta Maior-- não podem ser desperdiçadas em um fabulação publicitária feita de personagens simpáticos e imagens cativantes.

As eleições de outubro dialogam com um poder nada simpático.

Apesar da presença invisível nos palanques, como tem sido dito neste espaço, ele detém a singular capacidade de asfixiar o debate nacional, ademais de condicionar a agenda dos partidos e governantes, antes e à revelia do escrutínio das urnas.

A fonte desse poder invisível remete à hegemonia das finanças globalizadas em nosso tempo.

Sua supremacia reduz de forma importante o repertório das iniciativas políticas nacionais.

Não é uma jabuticaba brasileira.

O que vale para o Brasil não é diferente do que ocorre na Argentina, mas também na França, ou na Nigéria.

O ingrediente decisivo da luta pelo desenvolvimento, a soberania reordenada pelo voto democrático, e o poder indutor do Estado, operam hoje por instrumentos sob forte turbulência e restrição.

Não há novidade nisso, claro.

Nas transições de ciclo de desenvolvimento, porém, quando decisões estratégicas devem ser tomadas para desobstruir o passo seguinte da história, tais restrições assumem contornos de uma asfixia quase imobilizante.

É o caso da encruzilhada brasileira atual.

Mudanças de fundo são requeridas para inaugurar um ciclo de investimentos.

Sem avanços na infraestrutura e na produtividade, estreita-se a margem de manobra para consolidar um novo estirão na redistribuição da renda, na redução da desigualdade e na universalização de serviços de qualidade.

As opções são duas.

Entregar a rapadura de vez aos mercados, deixar que eles resolvam os impasses na base do arrocho; ou tentar erguer linhas de passagem de um novo ciclo convergente da riqueza.

A segunda escolha requer a força e o consentimento de uma ordenação pactuada da sociedade e da economia.

Estamos, portanto, diante de uma encruzilhada da democracia.

A ruptura dessa asfixia no ambiente global acaba de registrar um capítulo importante nesta 3ª feira ( 15-07) .

Um novo banco de desenvolvimento e um fundo de reservas alternativos ao Banco Mundial e ao FMI foram criados na reunião de Cúpula dos líderes dos Brics, realizada em Fortaleza, no Ceará.

A mídia conservadora fez pouco diante desse ensaio de Bretton Woods cearense e preferiu afogar a atenção dos seus leitores naquilo que é secundário.

A saber: o valor dos fundos iniciais e a ocupação de cargos no novo banco ,em que o Brasil terá a estratégica diretoria encarregada de planos de investimento e expansão.

A Índia inaugurará a presidência rotativa e a China sediará a instituição em Xangai.

O desdém em relação aos valores iniciais envolvidos (US$ 100 bi de fundo de reservas e um funding de US$ 50 bilhões, no caso do banco de desenvolvimento) precifica a ignorância ou a má fé, ou as duas coisas juntas, na abordagem obtusa da emissão conservadora.

O que está em jogo no xadrez do século XXI é a construção de novas estruturas de poder global que rompam com os frangalhos resultantes do colapso de Bretton Woods.

Hoje, o FMI e o Banco Mundial restam como um zumbi da arquitetura disciplinadora do capitalismo imaginada para a ordem internacional em 1944.

Inteiramente prestativos aos desígnios dos mercados desregulados –que nasceram para disciplinar—funcionam, a exemplo das agencias de risco, como alavancas pró-cíclicas do vale tudo especulativo.

Na fase de valorização irracional dos ativos e de fastígio do crédito, certificam a higidez das estripulias de Wall Street --como nas vésperas do colapso de 2008; em seguida, acentuam a espiral contracionista, chancelando políticas de arrocho quando as bolhas especulativas explodem.

A reunião dos Brics no Brasil moveu as placas tectônicas dessa ruína cristalizada no xadrez mundial.

Os valores envolvidos ganham dimensões superlativas quando associados à contrapartida política do que está em jogo.

Objetivamente, e de forma consistente, a decisão dos Brics afronta a subordinação passiva das nações à desordem neoliberal.
Países que reúnem um PIB da ordem de US$ 16 trilhões, superior ao da Zona do Euro, e uma população conjunta de 3 bilhões de pessoas, informaram ao mundo que vão construir instituições que colidem com a lógica de Wall Street e de seus braços institucionais.

Convenhamos, não é uma notícia agradável para quem defende que o Brasil, por exemplo, dissolva a sua soberania, seu poder de consumo, o pré-sal e a sua industrialização –para citar alguns de uma longa série de itens -- no detergente global dos mercados desregulados.

Carta Maior considera que a iniciativa histórica dos Brics amplia o espaço político para um debate qualificado de sua contrapartida no plano regional e nacional.
Não por acaso os líderes dos Brics se reuniram com os da Unasul, em Brasília, nesta 4ª feira.

A filiação que importa saber e que Aécio não registrou em sua fábula familiar, portanto, é quem é Brics, quem é Unasul e quem é Wall Street na política nacional?

Claramente, a disputa presidencial de outubro opõe dois projetos de futuro que guardam correspondência com a clivagem evidenciada nas decisões da cúpula reunida em Fortaleza.

por: Saul Leblon na Carta Maior

Traduzir esse debate em textos que abordem a dimensão internacional e nacional da nova ordem em construção é o objetivo do seminário virtual, ‘O Poder da Internacional Financeira’, que Carta Maior está promovendo em sua página (leia os textos já publicados de Márcio Pochmann e Tarso Genro).


Para ele estão sendo convidados intelectuais de todo o Brasil e do exterior (leia também ‘O candidato oculto’).

quarta-feira, 2 de julho de 2014

E Lenin tinha razão: a grande guerra interimperialista


A previsão de Lenin se cumpriu de forma dramática. As duas grandes guerras que marcaram a história da humanidade no século XX foram guerras interimperialistas.



Em 1884, as grandes potências coloniais se reuniram em Berlim para decidir sobre a dominação da África entre elas. Consagraram o critério da “ocupação efetiva”, segundo o qual a potencia que ocupasse realmente um pais tinha direitos sobre ele. Há fronteiras no norte da África que visivelmente foram definidas com regra, riscando sobre uma mesa, para facilitar a troca de territórios entre as 14 potências reunidas, sem importar que povos viviam aí.

Se terminava a divisão do mundo entre os colonizadores. A partir dali, segundo Lenin, cada um só poderia expandir-se às custas de outros. E como a tendência expansiva do capitalismo é permanente, Lenin previa que a humanidade entrava numa época de guerras interimperialistas.

A previsão de Lenin se cumpriu de forma rigorosa e dramática. As duas grandes guerras que marcaram a história da humanidade na primeira metade do século XX foram exatamente isso – guerras interimperialistas. Dois grandes blocos entre, por um lado as potencias que tinham se apropriado inicialmente de grande parte do mundo, lideradas pela Inglaterra e pela França, enfrentadas às que chegavam à repartição do mundo tardiamente – Alemanha, Itália, Japão – que buscavam uma redivisão dos territórios colonizados.

Por terem resolvido a questão nacional, com a instalação de Estados nacionais antes que os outros países europeus, sobretudo a Inglaterra e a França puderam construir sua força militar – em particular marítima – e colocar-se em melhor situação para a conquista e consolidação de um império colonial.

A Alemanha, a Itália e o Japão demoraram mais para sua unificação nacional, pela forca relativa das burguesias regionais, com o que chegaram à arena mundial em inferioridade de condições. Tiveram que se valer de regimes autoritários para acelerar seu desenvolvimento econômico, recuperando o atraso em relação às outras potências mundiais.

A primeira guerra mundial, mais além das contingencias do seu começo, foi isso: uma grande batalha entre os dois blocos pela repartição do mundo, especialmente dos continentes periféricos. (A Alemanha chegou a propor ao México que lhe devolveria os territórios que os EUA lhe haviam arrebatado caso se somasse ao bloco liderado por ela.)

Por trás das duas grandes guerras havia a disputa pela hegemonia mundial. A decadência inglesa via assomarem-se duas potencias emergentes – os EUA e a Alemanha. No começo da primeira guerra predominava nos EUA a corrente isolacionista, como se a guerra fosse uma questão europeia. Mas conforme a Alemanha avançava para ganhar a guerra, o governo dos EUA colocou em pratica rapidamente uma campanha ideológica para mobilizar os norteamericanos para a participação na guerra.

1917 foi um ano decisivo na guerra, com a revolução bolchevique fazendo com que a Rússia se retirasse da guerra – seguindo as orientações do Lenin de que se tratava de uma guerra interimperialista -, enquanto os EUA entravam na guerra, fazendo com que a balança se inclinasse a favor do bloco anglo-francês.

Com a segunda guerra – na realidade o segundo round de uma mesma guerra, com as mesmas características e um intervalo de poucos anos – e a segunda derrota do bloco formado pela Alemanha, a Itália e o Japão – se abria o caminho para a hegemonia imperial norteamericana. Guerras interimperialistas, as mais cruéis de todas as guerras, no continente que se considerava o mais civilizado do mundo, para dirimir a disputa hegemônica entre as potencias capitalistas sobre a dominação global. O início da primeira, de que se cumpre agora um século, foi o começo dessa grande debacle europeia.

Por Emir Sader em seu Blog 

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